Neurociências e Direito
A neurociência busca principalmente determinar como o cérebro afeta o comportamento, sendo o Direito por sua vez, preocupado em regular o comportamento em sociedade, merecendo lugar de destaque, pois é o que possui maior pretensão de efetividade, manifestando-se como um corolário inafastável . Assim, é de se esperar que os avanços e descobertas no campo das Neurociências tenham um peso cada vez maior na criação e interpretação das leis.
Falsas Memórias e a sua influência no sistema Jurídico Penal
Ao longo dos últimos 20 anos, as pesquisas científicas sobre a memória e o entendimento dos limites do reconhecimento testemunhal, trazem a lume a questão de, o quanto podemos realmente confiar neste instrumento de produção de provas.
O Neurocientista Joseph E. LeDoux aponta que as emoções desempenham um papel importante na formação e evocação de memórias, e são a base de muitos transtornos psicológicos, como ansiedade, fobias, síndrome do pânico e o transtorno de estresse pós-traumático. Submetido a estresse o cérebro facilmente pode entrar em um estado de suspensão da realidade, criando falsas memórias visuais, auditivas e sinestésicas. Uma ONG norteamericana “The Inocesnce Project” realizou uma pesquisa e constatou que 75% das condenações de inocentes, inclusive, muitos no corredor da morte, ocorreram devido a erros de reconhecimento por parte de vítimas e testemunhas ao identificar suspeitos.
Segundo o psicólogo Daniel L. Schacter, estudioso da memória humana, o processo de esquecimento é uma função essencial para que a memória humana funcione bem. O que ocorre muitas vezes é a falha no processo da lembrança, onde alguma informação importante precisa ser retida, acaba sendo esquecida; e outra que precisava ser esquecida, acaba se alojando na memória. O processo de recuperar informações pode ser confuso para cérebros saudáveis também, inclusive quando submetidos a condições violentas. Schacter listou sete falhas da memória, que chama de sete pecados. Os três primeiros são os pecados de omissão, e os quatro últimos, são os de comissão. Dessa forma, cada pecado conduz a um erro na recuperação de informações, e são eles:
Transitoriedade; Distração; Bloqueio; Atribuição Equivocada; Sugestionabilidade; Distorção e Persistência.
Sete falhas da memória/(7 pecados)
#1 Transitoriedade
É descrito como a deterioração da memória ao longo do tempo, sobre tudo a memória que envolve eventos (episódica) – isso ocorre porque recordamos melhor de eventos recentes do que os mais antigos e cada vez que tentamos recuperar uma memória, esta é reprocessada e assim ligeiramente alterada.
#2 Distração
A distração é o pecado de esquecer o que deve ser feito, não lembrar onde ficaram as chaves de casa, não é considerado um erro de memória, mas sim de seleção de armazenamento. Isso pode ocorrer pelo fato de que efetuamos determinado ato pensando em outro.
#3 Bloqueio
Acontece quando uma memória não consegue ser recuperada, geralmente ocorre quando outra memória está bloqueando o processo. Um exemplo clássico é o de quando passamos pela situação de estar com uma palavra “na ponta da lingua”, mas não conseguimos lembrar de jeito nenhum, algo nesse momento está atrapalhando o processo.
#4 Atribuição Equivocada
Acontece quando a informação é lembrada corretamente, mas há um equívoco na fonte dessa informação.
#5 Sugestionabilidade
Ocorre quando as lembranças são influenciadas pelo modo como são lembradas.
#6 Distorção
Isso ocorre quando as opiniões e os sentimentos do indivíduo influenciam diretamente na forma com que ele recorda as situações vividas.
#7 Persistência
Segundo Schacter, a persistência ocorre na memória que funciona bem de mais. Assim, informações que muitas vezes tentamos esquecer, ficam sendo lembradas, diversas vezes, em diferentes momentos, vindo sempre a tona de maneira intrusiva e persistente.
Nossas memórias ficam guardadas em uma região do cérebro chamada hipocampo, e são nada além de relações de afinidade entre os neurônios. Quando você memoriza alguma coisa – como a data de aniversário de sua mãe, por exemplo –, o cérebro forma conexões entre as células cerebrais que respondem por aquela informação. Se é preciso lembrar novamente a data em questão, a mesma rede de neurônios é ativada e recupera a informação correta.
A Neurociência x Judiciário
A questão é que, os resultados das pesquisas recentes em neurociência suscita se o atual sistema jurídico, leva em conta os limites da cognição humana e da apreensão das circunstâncias pela memória com respeito ao depoimento testemunhal, e a capacidade de julgamento dessas testemunhas por juízes e jurados.
A memória consciente de curta ou longa duração não é pura
Para reativar uma memória, portanto, é mais ou menos como se o cérebro tivesse que percorrer um caminho pré-determinado, reconectando a rede neuronal. Aí mora um problema: e se uma memória antiga precisa ser resgatada com urgência em detalhes, anos depois de ser formada?
Para dar sentido à história, seu cérebro recorre à imaginação, preenchendo os buracos em modo automático. Como não poderia deixar de ser, ele faz esse trabalho da forma mais criativa possível, usando o que tiver à disposição. Nossa memória não se comporta como a de uma câmera digital, em que tudo, uma vez gravado, fica facilmente acessível quando se bem entende. Ela está mais para uma página de Wikipédia, que pode ser editada livremente.
E o principal: ela é colaborativa. Você não é o único editor – sua memória enciclopédica também pode ser editada pelos outros.
A analogia acima é de Elizabeth Loftus, psicóloga americana que conduziu o primeiro teste de destaque envolvendo a implantação de memórias falsas em 1995. A ideia de Loftus era descobrir, nos experimentos, se era possível convencer alguém de algo que nunca viveu só na base da lábia. A manipulação deu certo: uma em cada quatro pessoas testadas saíram dos encontros acreditando piamente ter memórias sobre os mais bizarros acontecimentos. De abduções alienígenas, beijos em sapos a até mesmo um pedido de casamento feito a uma máquina de refrigerantes, não parecia haver limites para as distorções que alguém poderia aceitar sobre a própria biografia.
Em 2015, outra pesquisadora encontrou resultados ainda mais distópicos. Em um experimento similar liderado por Julia Shaw, pesquisadora da University College, em Londres, 70% dos voluntários incorporaram memórias falsas.
Entrevistas com testemunhas podem ser enviesadas e interferir na coleta de provas
Um estudo realizado para o Ministério da Justiça, em 2014, mostrou que 90,3% dos profissionais que participam da investigação, como policiais, delegados, promotores e juízes, dão importância máxima a testemunhos. Além disso, 69,2% desses profissionais costumam valorizar em grandes proporções o reconhecimento facial de criminosos, eventualmente feito com base em fotografias.
O problema é que, às vezes, provas do tipo falham feio. Um exemplo de destaque foi o caso do dentista carioca André Biazucci Medeiros, que respondeu a sete acusações de estupro em 2014. Reconhecido pelas vítimas e preso, foi inocentado após exames de DNA.
Reflexões finais
O professor emérito do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, Nicholas Mackintosh, defende, em um artigo publicado na Revista Superinteressante, que os cursos de direito deveriam incluir matérias sobre ciência – sobretudo psicologia, neurociência e genética. Para ele, advogados e juízes deveriam receber treinamento permanente nessas disciplinas como parte de seu desenvolvimento profissional. E também os cursos de graduação em neurociências deveriam incluir as aplicações sociais do que é estudado.
Todos os profissionais da Dias & Cerqueira Advogados, são especializados e altamente preparados para atender todas as demandas judiciais e extrajudiciais, bem como treinamentos, cursos e palestras com excelência em qualidade do mais alto nível Nacional e Internacionalmente.
Vitor Aref
vitor.aref@dcjuridico.com.br